Ecce Homo
A água sabe sempre o caminho.
Cartas a Lucílio - Séneca - carta 1- o que fazer com o tempo

Séneca - Córdoba - 4 A.c. - Roma 65 D.c.
Carta 1- O que fazer com o tempo
Procede deste modo, caro Lucílio: reclama o direito de dispores de ti, concentra e aproveita todo o tempo que até agora te era roubado, te era subtraído, que te fugia das mãos. Convence-te de que as coisas são tal como as descrevo: uma parte do tempo é-nos tomada, outra parte vai-se sem dar-mos por isso, outra deixamos escapar. Mas o pior de tudo é o tempo desperdiçado por negligência. Se bem reparares, durante grande parte da vida agimos mal, durante a maior parte não agimos nada, durante toda a vida agimos inutilmente.
Podes indicar-me alguém que dê o justo valor ao tempo, aproveite bem o seu dia e pense que diariamente morre um pouco? É um erro imaginar que a morte está à nossa frente: grande parte dela já pertence ao passado, toda a nossa vida pretérita é já domínio da morte!
Procede, portanto, caro Lucílio, conforme dizes: preenche todas as tuas horas! Se tomares nas mãos o dia de hoje, conseguirás depender menos do dia de amanhã. De adiamento em adiamento, a vida vai-se passando.
Nada nos pertence, Lucílio, só o tempo é mesmo nosso. A natureza concedeu-nos a posse desta coisa transitória e evanescente da qual quem quer que seja nos pode expulsar. É tão grande a insensatez dos homens que aceitam prestar contas de tudo quanto - mau grado o seu valor mínimo, ou nulo, e pelo menos certamente recuperável - lhes é emprestado, mas ninguém se julga na obrigação de justificar o tempo que recebeu, apesar de ser o único bem que, por maior que seja a nossa gratidão, nunca podemos restituir.
Talvez te apeteça perguntar como procedo eu, que te dou todos estes preceitos.Dir-te-ei com franqueza: como alguém que vive bem, mas sem esbanjamento. Tenho as minhas contas em dia! Não te posso dizer que nunca perco tempo, mas sei dizer-te quanto, porquê e de que modo o perco. Posso prestar contas da minha pobreza. A mim, porém, sucede-me o mesmo que a muitos que, sem culpa própria, ficaram reduzidos à miséria: todos perdoam, mas ninguém ajuda.
Que mais há a dizer? Não considero pobre aquele a quem basta o poucochinho que tem. Prefiro, contudo, que tu preserves os teus bens e que o comeces a fazer quanto antes. Conforme diziam os nossos maiores, "já vem tarde a poupança quando o vinho esta no fundo". É que o que fica no fundo , além de ser muito pouco, são apenas as borras!
Adeus