Ecce Homo
"Sinto uma dificuldade de ser" - Fontenelle
Dos bens supérfluos
"Vou gritando: evitem tudo quanto agrade aos vulgares, tudo quanto o acaso proporciona; diante de qualquer bem fortuito parem com desconfiança e receio: também a caça ou o peixe se deixam enganar por esperanças falaciosas. Julgam que se trata de benesses da sorte? São armadilhas! Quem quer que deseje passar a vida em segurança, evite quanto possa estes benefícios escorregadios nos quais, pobres de nós, até nisto nos enganamos: ao julgar possuí-los, deixamo-nos apanhar! Esta corrida leva-nos para o abismo; a única saída para uma vida "elevada" é a queda! E mais: nem sequer podemos parar quando a vida começa a desviar-nos da rota certa, nem ao menos ir a pique, cair instantaneamente: não, a vida não nos faz tropeçar, derruba-nos, esmaga-nos. Há que tratar com dureza o corpo para ele obedecer sem custo ao espírito: limite-se a comida a matar a fome, a bebida a extinguir a sede, a roupa a afastar o frio, a casa a servir de abrigo contra as intempéries. Fiquem sabendo que para abrigar o homem tão bom é o colmo como o ouro! Desprezem tudo quanto, com supérfluo trabalho, se acrescenta para ornamento e decoração: pensem que só o espírito merece admiração. e para um grande espírito nada há que seja grande."
Créditos - Séneca - Cartas a Lucílio
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Da reciprocidade
Refugia-te em ti próprio quanto puderes; dá-te com aqueles que te possam tornar melhor, convive com aqueles que tu possas tornar melhores. Há que usar de reciprocidade: enquanto se ensina aprende-se também. No entanto não percas o teu tempo com gente que não possa entender-te. E se perguntas "em proveito de quem estudei eu?". Não tenhas receio: se tiveres estudado em teu proveito, não terás perdido tempo.
E se te preocupares com o não entendimento daqueles que te lêem, deixo-te este pensamento de Demócrito:
"Para mim basta-me que sejam poucos, basta-me que haja um só leitor, basta-me que não haja nenhum".
E este de Epicuro:
"Eu não escrevi isto para muitos, mas sim para ti (para quem me entende); contemplar-nos um ao outro é espectáculo suficiente".
Créditos - inspirado em Séneca
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Da sabedoria
Todos os dias se revestem para mim de uma enorme importância. Todos os dias procuro aprender algo, porque o prazer de aprender traz o prazer de ensinar, ou de transmitir a minha aprendizagem. E nada, por muito elevado e proveitoso que seja, alguma vez me deleitará se guardar apenas para mim o seu conhecimento. Se a sabedoria só me for concedida na condição de a guardar para mim, sem a compartilhar, então rejeitá-la-ei: nenhum bem há cuja posse não partilhada dê satisfação. Mas a sabedoria transmitida através dos conselhos é longa, mas através dos exemplos é curta e eficaz. Por os ensinamentos devem ser servidos de forma a que quem aprende não só aproveite a sabedoria de quem ensina, mas que também aproveite quem ensina: ambos são muitos úteis um ao outro.
Créditos - inspirado em Séneca
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Dos defeitos de cada um
Verifico, que não apenas me estou corrigindo, antes me estou transfigurando. Não garanto, nem sequer espero, que nada já reste em mim sem necessitar de mudança! Como não hei-de eu ter muito que deva ser refreado, ou diminuído, ou elevado? Mas já é uma prova de que o espírito alcançou um degrau superior o facto de reconhecer os defeitos que até então permaneciam ignorados: já é motivo para felicitar certos doentes o facto de eles próprios se reconhecerem doentes.
Créditos- Séneca