Ecce Homo
A água sabe sempre o caminho.
A condição humana
Se um homem olha o reluzir dos gládios1 com o olhar firme, se está convicto de que é indiferente a alma sair pela boca ou pela garganta, podes chamar feliz a esse homem! Se, quando lhe dão a conhecer todos os tormentos físicos a que o acaso ou a prepotência dos poderosos o podem submeter.[...]se é capaz de exclamar:
"Sofrimento algum ó virgem, será para mim inédito ou inesperado; tudo pressenti, tudo meditei no íntimo da alma!2 [...] e, como homem que sou, estou preparaddo para a condição humana!"
Um mal previamente pensado fere com menor violência.Para os inexpertos, grande parte do mal reside na novidade.
1. antiga espada curta, robusta, de lâmina larga com dois gumes, usada especialmente pelos legionários romano
2. Vergílio
Créditos - Séneca em Cartas a Lucílio
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O avarento
"Que importam os bens que possuis se muito mais numerosos são aqueles que não possuis?"
Séneca
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Carta aos europeus - 1 - um homem pequeno
Caros europeus,
Vivemos em paz na Europa durante durante mais de 70 anos. Poucos de nós viveram a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e quase nenhuns a Primeira (1914-1918). Foi uma época em que se pensou que nunca mais viriam a acontecer as barbáries e o horror que muita documentação disponível nos recorda. Foi um tempo marcado pelos avanços da tecnologia, da medicina, da aviação,do conhecimento, do acesso às universidades, etc, e também foi um tempo de liberdade espiritual e política. Ao mesmo tempo foi-se construindo a U.E. e, pensava-se que esses tempos de paz não seriam assolados pela voragem da guerra. Pensava-se também que se tinha aprendido a lição de que a guerra não compensa. Alguns mais sonhadores (como eu), achavam que as artes, o teatro, a filosofia, enfim, que a cultura se sobreporia aos desmandos de algum lunático, como este Putin que resolveu invadir a Ucrânia e trazer de novo a guerra para solo europeu.
Mas eis que agora, mesmo depois de se saber o que foi o nazismo, a até, pasme-se, em França, que foi ocupada pelo regime de Hitler, a extrema direita ressuscita e ganha eleições. Portugal e outros países como os E.U.A. e a maioria do norte da Europa não fogem a esta mudança dos ventos antigos.
Como é possível com o conhecimento que existe do que foi o fascismo e o nazismo, que a extrema direita esteja no poder, nuns casos, e noutros a caminho de lá estar? Como é possível tamanha falta de memória histórica?
Será que a geração presente terá que ver revolvida a sua vida de novo? Será que os valores pacifistas e humanistas serão esquecidos e enterrados no atoleiro da guerra? Será que o vazio será o futuro daqueles que hoje tiveram que abandonar as suas casas e deixar as suas antigas vidas? É dramático que as pessoas tenham que plantar as suas raízes em terra alheia porque só assim se podem salvar, não falando nos seus bens que foram obrigados a abandonar.
Somos europeus. Somos do continente das luzes. Somos gregos e romanos, franceses e alemães, somos todos os países, pisamos o mesmo solo, somos filósofos,cientistas, poetas. Temos altos índices de conforto.
Contudo, ouve-se novamente o ruído dos canhões e das bombas. Vemos homens nas trincheiras. Voltaram os mortos e os estropiados. Hoje em que em segundos a nossa mensagem pode cruzar o mundo, e o átomo deixou de ser um mistério, um ser diabólico acordou na Rússia. Um homem pequeno, como são pequenos todos os homens que provocam a guerra.
Termino com uma palavra: paz.
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Séneca - Cartas a Lucílio - carta 3 - a amizade e a confiança
Dizes-me que entregaste a carta a um amigo teu, para me trazer, mas em seguida aconselhas-me a não trocar impressões com ele sobre quanto te diz respeito, pois nem tu próprio o costumas fazer. Quer dizer, na mesma carta deste-lhe e recusaste-lhe o título de "amigo". Ora bem: se tu usaste esta palavra não no seu verdadeiro sentido mas antes em sentido genérico, e lhe chamaste "amigo" tal como a todos os candidatos nós chamamos "respeitáveis cidadãos", ou como às pessoas que encontramos e cujo nome não nos ocorre, cumprimentamos como "senhor fulano" ainda é aceitável; se consideras, porém, "amigo" alguém em quem não confias tanto como em ti próprio, então cometes um erro grave e mostras não conhecer bem o significado da verdadeira amizade.
[...]após o início da amizade há que ter confiança. Antes, sim, é que se deve ajuizar. [...] pensa longamente se alguém é digno de que o incluas no número dos teus amigos; quando decidires incluí--lo , então recebe-o de coração aberto e fala com ele com tanto à-vontade como contigo próprio. [...] há certas coisas que, por hábito, são consideradas íntimas, compartilha com o teu amigo todos os teus cuidados, todos os teus pensamentos. Se o considerares um amigo leal, é isso o que farás. Que motivo pode levar-me a medir as minhas palavras diante de um amigo? Há quem conte ao primeiro passante aquilo que apenas se deve confiar aos amigos, e confie aos ouvidos de qualquer um o segredo que o consome; a outros, pelo contrário, repugna dar conhecimento ainda aos amigos mais íntimos e, se pudessem, não confiando sequer em si mesmos, interiorizam tanto quanto possível todo o segredo. Não devemos fazer nem uma coisa nem outra - ou confiar em todos ou não confiar em ninguém - é um erro.
Deste modo são igualmente censuráveis quer os que andam sempre inquietos quer os que vivem em perpétua calma.[...]há que dosear as duas coisas: importa agir mesmo mantendo a calma, importa manter a calma mesmo quando se age.
Adeus
Séneca - Córdoba - 4 A.c. - Roma 65 D.c.
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A filosofia e a guerra
"Nunca como hoje está tão difundido no mundo o conhecimento das grandes ideias da humanidade. Nunca, contudo, foi a sua influência tão diminuta. Os pensamentos de Platão e Aristóteles, dos profetas e de Cristo, de Espinoza e de kant são hoje conhecidos por milhões de pessoas cultas na Europa e na América. Eles são ensinados em inúmeras escolas. E tudo isto se verifica simultaneamente num mundo onde se presta obediência aos princípios de um egoísmo sem limites, se cultiva um nacionalismo histérico enquanto acontecem tresloucados genocídios. Como explicar semelhante contradição?"
A explicação provém, de facto, de que a cultura é entendida como uma mera soma de conhecimentos, e o que existe na relação entre homens ou entre estados, é apenas incultura. Ora essa incultura inclui a sede de poder e a fome do luxo. As guerras existem, não devido ao facto dos povos se quererem guerrear, mas sim à vontade de quem governa. Essa incultura faz esquecer as lições da história, nunca nenhum império governou o mundo para sempre, cedo ou tarde acaba por cair, assim é também com os governantes, mesmo os maiores ditadores estão sujeitos às leis da vida. Nenhum governa para sempre. Perante isto fica a conclusão, o que se perde com a guerra seria muito mais útil se fosse canalizado para a paz e para o benefício dos povos. É isto que ensinaram os grandes filósofos e profetas e é isto que a vaidade e a animalidade de quem governa se esquece.
Créditos - inspirado na introdução de Cartas a Lucílio de Séneca
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Cartas a Lucílio - Séneca - carta 1- o que fazer com o tempo
Séneca - Córdoba - 4 A.c. - Roma 65 D.c.
Carta 1- O que fazer com o tempo
Procede deste modo, caro Lucílio: reclama o direito de dispores de ti, concentra e aproveita todo o tempo que até agora te era roubado, te era subtraído, que te fugia das mãos. Convence-te de que as coisas são tal como as descrevo: uma parte do tempo é-nos tomada, outra parte vai-se sem dar-mos por isso, outra deixamos escapar. Mas o pior de tudo é o tempo desperdiçado por negligência. Se bem reparares, durante grande parte da vida agimos mal, durante a maior parte não agimos nada, durante toda a vida agimos inutilmente.
Podes indicar-me alguém que dê o justo valor ao tempo, aproveite bem o seu dia e pense que diariamente morre um pouco? É um erro imaginar que a morte está à nossa frente: grande parte dela já pertence ao passado, toda a nossa vida pretérita é já domínio da morte!
Procede, portanto, caro Lucílio, conforme dizes: preenche todas as tuas horas! Se tomares nas mãos o dia de hoje, conseguirás depender menos do dia de amanhã. De adiamento em adiamento, a vida vai-se passando.
Nada nos pertence, Lucílio, só o tempo é mesmo nosso. A natureza concedeu-nos a posse desta coisa transitória e evanescente da qual quem quer que seja nos pode expulsar. É tão grande a insensatez dos homens que aceitam prestar contas de tudo quanto - mau grado o seu valor mínimo, ou nulo, e pelo menos certamente recuperável - lhes é emprestado, mas ninguém se julga na obrigação de justificar o tempo que recebeu, apesar de ser o único bem que, por maior que seja a nossa gratidão, nunca podemos restituir.
Talvez te apeteça perguntar como procedo eu, que te dou todos estes preceitos.Dir-te-ei com franqueza: como alguém que vive bem, mas sem esbanjamento. Tenho as minhas contas em dia! Não te posso dizer que nunca perco tempo, mas sei dizer-te quanto, porquê e de que modo o perco. Posso prestar contas da minha pobreza. A mim, porém, sucede-me o mesmo que a muitos que, sem culpa própria, ficaram reduzidos à miséria: todos perdoam, mas ninguém ajuda.
Que mais há a dizer? Não considero pobre aquele a quem basta o poucochinho que tem. Prefiro, contudo, que tu preserves os teus bens e que o comeces a fazer quanto antes. Conforme diziam os nossos maiores, "já vem tarde a poupança quando o vinho esta no fundo". É que o que fica no fundo , além de ser muito pouco, são apenas as borras!
Adeus